Créditos fotográficos (imagem de capa) © Human Cruelties
Para falar da reprodução de galinhas, comecemos por aqui:
Em Portugal, o principal motivo de reprovação para consumo de galinhas e galos reprodutores, desde 2016 (ano onde atingiu os 21 mil casos), é “Caídos nas máquinas” [1]. Embora seja um valor que baixou em 2019, continua a ser um valor extremamente alto que origina diversas questões a nível de bem-estar animal, principalmente no que diz respeito às regras de bem-estar na ocisão e abate. Isto significa que, no intervalo de 6 anos, 78.258 aves foram simplesmente reprovadas para consumo devido ao que nos parece conduzir para falha humana e/ou equipamentos mal adaptados.
1. Quem são os galos e galinhas reprodutores?
A tendência para reconhecer as galinhas prende-se com aquilo que elas nos dão, ou seja, quando se fala de galinhas é assumido que estejamos a falar de frango e ovos para consumo, porque é para isto que elas parecem servir, aos olhos do público geral. A própria linguagem que usamos para nos referirmos aos animais, separa-nos do facto de que efetivamente estamos a falar de uma vida que foi abatida para nosso prazer. E, aqueles que reconhecemos como nossos subservientes diretos são então as galinhas a que chamamos frango e as “outras” que nos dão os ovos. Mas a indústria envolve muito mais do que isto.
“O setor agrícola evoluiu para o ramo dos negócios. Os produtores passaram a valorizar características em animais que aumentariam sua produtividade. Os animais com melhor desempenho foram selecionados como pais para a próxima geração. Foram feitas melhorias nas características visíveis e que possuíam herdabilidade razoável. Isso é conhecido como seleção fenotípica” [2].
2. Seleção genética
São várias as empresas que se focam neste tipo de negócio de seleção genética, alterando a própria essência do animal, agindo como deuses que decidem como um ser vivo deve ser, que cor ter, que peso atingir, quantos ovos pôr, etc.
“Selecionamos animais com qualidades desejadas e criamo-los para produzir descendentes ainda melhores”, lemos na página oficial da empresa Hendrix Genetics, uma das várias especializadas neste tipo de exploração.
Sim, consideramos que esta é apenas mais uma forma de exploração.
Estamos a alterar a genética de um ser vivo para nosso proveito. Além de estarmos a criar vidas que vamos retirar, estamos a decidir como elas devem ou não ser e que traços ter, gerindo a vida de outros seres como se fossem nossas marionetas.
Como já sabemos, a genética destas aves tem sido altamente alterada ao longo dos anos, à procura da ave mais eficaz: a que come menos mas cresce mais, ou a que põe mais ovos, mesmo que isso seja prejudicial para a sua saúde.
Vejamos o exemplo da empresa Hubbard que, desde 1921 se dedica à indústria de seleção de reprodutoras. Em todo o seu discurso, as galinhas não são referidas como animais, como seres vivos, muito menos como sencientes; são apenas produtos.
“Todos os nossos programas de seleção genética são projetados e dedicados a atender aos crescentes desafios da nossa civilização fornecendo carne de frango eficiente, saudável e saborosa para a população mundial” [3].
Podemos ler ainda na página oficial da empresa que o seu compromisso é oferecer a “mais ampla variedade de produtos que satisfaçam todas as suas necessidades, que vão desde frangos de crescimento rápido e de custo eficiente…”, isto é, aves que crescem mais rápido do que o corpo pode aguentar, mas que comem cada vez menos.
Vejamos quão macabro pode ser considerado este negócio, em apenas uma imagem:
A frieza e indiferença é notória. Estaremos a falar de um telemóvel de última geração? Um aspirador topo de gama? Não… Estamos a falar de uma vida. Aliás, várias… Várias vidas manipuladas e criadas para satisfazer a demanda do negócio.
Na página da Hubbard, podemos ainda ler as frias palavras do director de Marketing e Vendas, referindo-se a esta ave como um “único pacote multiuso, com eficiência de desempenho e eficiência económica em todos os níveis de produção”.
A fertilidade é influenciada por vários factores: genéticos, nutricionais, patológicos e de maneio. Até neste parâmetro há manipulação humana e as aves destinadas à reprodução sofrem diversas restrições para tornar a produção mais eficiente. Uma dessas restrições prende-se com a alimentação [4].
Por exemplo, os galos que atualmente crescem tão rapidamente para originar um frango maior, para reproduzir não podem ser tão pesados ou não irão sequer aguentar o seu próprio peso.
“São submetidos a uma restrição severa, evitando-se deste modo que atinjam um peso excessivo. Em consequência, reduzem-se drasticamente os problemas de patas e a dificuldade em fecundar as fêmeas” [5] como aconteceria principalmente a partir das 40 semanas (idade a que o frango normalmente é abatido para consumo e a partir da qual não terá altas hipóteses de sobreviver).
3. Como é que as empresas se adaptam à crescente preocupação com o Bem-estar? – O papel do Better Chicken Commitment
Seria de esperar que, com o aumento da preocupação com o bem-estar animal e, consequentemente a elaboração do BCC, crescesse também a consciencialização para o sofrimento destes animais e o reconhecimento da sua individualização como um ser vivo, que sente dor e é capaz de sofrer.
Contudo, as empresas também se ajustam às novas realidades, criando novos “produtos” para dar resposta às tendências atuais, de forma a manter o seu lucro e até a aproveitar o marketing a seu favor:
A indústria adapta-se às mudanças, tudo para não perder o lucro. A própria linguagem usada para se referirem a seres vivos sencientes torna altamente evidente a falta de individualização de que estes animais são vítimas. São produtos apenas, com denominações que parecem surgir de uma empresa de eletrodomésticos ou de telecomunicações, com o seu marketing pomposo de produtos de última geração, cada vez mais eficazes para satisfazer as demandas e exigências dos animais humanos.
Estamos a criar máquinas, robots de produção intensa. A questão é que estes robots nascem com capacidades cognitivas, com capacidade de sentir dor, medo, ansiedade…
Além de tudo isto, é possível ainda verificar nos sites destas empresas, que as aves continuam a ser mantidas em jaulas. Aliás, podemos ainda verificar que a “marca” de galinha Bovans (como se refere na página oficial) é referida como uma “marca” que prospera em gaiolas [6].
O BCC foi criado precisamente para proteger o bem-estar destas aves. Para isso, apela a que se adotem raças que demonstram melhores resultados de bem-estar. Então, as empresas conseguem inverter a preocupação com o bem-estar a seu favor.
Este “produto” resultante de uma resposta a um BCC, faz-nos pensar: quando uma empresa se refere a um ser vivo como “produto”, conseguimos nós acreditar que, efetivamente, se preocupam com o seu bem-estar em alguma instância?
Selecionar geneticamente um ser vivo senciente e atribuir-lhe o nome “better chicken” faz deste animal mais justo de explorar? De consumir? Não será apenas mais um golpe de marketing como máscara para a nossa consciência?
4. Máquinas de fazer dinheiro
Prestemos apenas atenção à imagem abaixo, retirada da página da empresa Hendrix Genetics:
Estas empresas divulgam o orgulho no seu negócio, referindo-se a estes animais desta forma distante e completamente desprovida de empatia.
A galinha que vemos na imagem é de uma linhagem genética muito eficiente na postura de ovos, com pouca necessidade de ração, fazendo dela, aos olhos da indústria, uma “máquina de fazer dinheiro”.
É notícia recente (2022) que uma fundação filantrópica na Califórnia financiou, com 2.7 milhões de dólares, cientistas cujo trabalho será melhorar a criação de galinhas poedeiras [7]. Como?
“Queremos descobrir quais as características que se relacionam com o bem-estar e a saúde das galinhas poedeiras para criar galinhas mais robustas e resistentes para alojamento sem gaiolas, mantendo alto desempenho”.
“O projecto permitirá que novas características (fenótipos) sejam incorporadas aos programas de melhoramento de parceiros industriais. Isso ajudará a criar galinhas poedeiras mais saudáveis e robustas para alojamento sem gaiolas, mantendo sua produtividade”.
Isto significa que é reconhecido o sofrimento ao qual as galinhas são submetidas nas gaiolas e, para o diminuir, vai ser investido um grande montante para criar um novo “produto”: uma galinha “robusta”, que transmita uma imagem de menor sofrimento na exploração.
Falsa filantropia. Mais uma vez, estamos a tentar legitimar o sofrimento que causamos a outros seres, com a premissa de que criamos uns novos, mais resistentes à dor.
Em 2018, a empresa americana Dakota Layers foi premiada pelo seu trabalho, que se traduziu em levar estes animais ao extremo, atingindo a meta de 500 ovos postos por galinha, num intervalo de cerca de 2 anos [8]. E já não é a única a atingir esta meta.
A galinha que hoje conhecemos está cada vez mais longe das suas origens.