O bem-estar na legislação: na exploração de frangos e poedeiras

Antes de mais, devemos refletir, que “bem-estar” estamos nós a garantir? O dos animais que já nasceram com os dias contados e que viveram confinados para nosso prazer? Ou o nosso próprio bem-estar, que se reflete num alívio da nossa consciência, enquanto consumidores?

Créditos fotográficos (imagem de capa) © Jo-Anne McArthur / Animal Equality / We Animals Media

Vamos só refletir ainda sobre o seguinte: se é necessário criar leis e regulamentos que visam minimizar o sofrimento destes animais, não significa que, na verdade, nos preocupamos com eles?

Com estas questões na nossa mente, façamos uma breve análise a algumas das condições básicas de bem-estar definidas na lei, que parecem existir para atenuar o nosso sentimento de culpa e legitimação para os nossos actos.

1. A liberdade de movimentos

Há um ponto chave a salientar no Decreto-Lei n.o 64/2000 de 22 de abril, referente à liberdade de movimentos: “a liberdade de movimentos própria dos animais, tendo em conta a espécie e de acordo com a experiência prática e os conhecimentos científicos, não será restringida de forma a causar-lhes lesões ou sofrimentos desnecessários e, nomeadamente, deve permitir que os animais se levantem, deitem e virem sem quaisquer dificuldades”.

Estas leis revelam-se contraditórias quando a própria legislação permite o uso de gaiolas. A liberdade de movimentos e, consequentemente, os comportamentos naturais das aves, estão extremamente comprometidos neste sistema de produção, assim como na produção em pavilhões.

Créditos fotográficos © Stefano Belacchi / Essere Animali / We Animals Media


2. O corte do bico

A Directiva 1999/64/CE do Conselho de 19 de julho de 1999 diz que, “a fim de evitar o arranque de penas e o canibalismo, os Estados-Membros podem autorizar que se apare a ponta do bico (…)”. Ora, se as condições de bem-estar são garantidas e as galinhas são felizes, porque haverá essa necessidade de corte do bico que, conforme relata a própria lei, os animais usam para arranque de penas (stress) e para se debicarem uns aos outros (stress, confinamento, lotação do espaço)?

Além disso, o corte do bico provoca dores, por vezes, incapacitantes, que acabam por limitar a capacidade da galinha em se alimentar.

Créditos fotográficos © Stefano Belacchi / Essere Animali / We Animals Media

Num artigo publicado por Lori Marino, no jornal Animal Cognition, em 2017 [1], podemos ler que “o bico da galinha, como em todas as aves, é um órgão sensorial complexo com numerosas terminações nervosas. O bico não serve apenas para agarrar e manipular itens alimentares, mas também é usado para manipular objetos não alimentares em nidificação e exploração (…) No bico há um grupo especializado de mecanorreceptores altamente sensíveis, que permite que as galinhas façam discriminações táteis finas.”

Acrescenta ainda que, o corte do bico é intensamente doloroso e essa dor, que pode durar meses, é visível no comportamento da galinha, que tende a enfiar o bico várias vezes debaixo da asa e debica menos, originando até dificuldade em se alimentar.


3. Manual de Bem-Estar Animal – incongruências

No site da DGAV, podemos consultar o Manual de Bem-estar Animal, onde ficaremos a conhecer as “cinco liberdades” redigidas pelo Farm Animal Welfare Council, que os produtores supostamente devem ter em conta. 

Créditos fotográficos © Stefano Belacchi / Equalia / We Animals Media

3.1. Ausência de fome e sede:

Fica por responder como é que um animal que não consegue superar as dores do corte do bico ou simplesmente levantar-se, se desloca até os dispensadores de comida.

3.2. Livres de dor, sofrimento ou doença (…) devem ser evitados dor e sofrimento desnecessário:

Mas é precisamente a isso a que se resumem as suas curtas vidas. Basta analisar os números de animais reprovados para consumo, por se encontrarem demasiado caquéticos, com infeções respiratórias, problemas de pele, hematomas, luxações e fraturas para perceber que isto não acontece. Apenas no ano de 2019, mais de 2 milhões de animais foram abatidos e não aprovados para consumo, devido a condições débeis e graves de saúde.

Créditos fotográficos © Stefano Belacchi / Essere Animali / We Animals Media

3.3. Ausência de desconforto:

A Francisca é um exemplo puro da falta de conforto que estes animais vivenciam, com os seus corpos fraturados, doentes, e deitados em camas sujas com fezes que lhes queimam a pele, como poderão conhecer alguma réstia de conforto? E como se explica que, uma galinha poedeira viva apenas 2 anos (não sendo capaz de produzir mais ovos), quando em liberdade poderia viver até aos 11 anos?

Créditos fotográficos © Stefano Belacchi / Equalia / We Animals Media

Créditos fotográficos © Jo-Anne McArthur / Djurrattsalliansen / We Animals Media

3.4. Liberdade de expressar comportamento normal, proporcionando espaço suficiente, instalações apropriadas e companhia de animais da mesma espécie:

Não é companhia de animais da mesma espécie, é lucro. Muitos destes espaços estão tão lotados que os animais não apreciam essa “companhia”. Pisam-se, debicam-se… Aliás, é contraditório assumir o corte do bico como prevenção de lutas e canibalismo e, ao mesmo tempo, assumir que este tipo de companhia é benéfico para as galinhas na indústria.

3.5. Ausência de medo ou sofrimento:

As galinhas sentem medo e ansiedade.

O próprio Manual de Bem-Estar Animal refere ainda que “durante a produção, os frangos são susceptíveis de desenvolver uma variedade de patologias músculo-esqueléticas (…) que têm várias causas, podendo ser de origem genética, nutricional, ou ser resultado entre outros de uma má higiene, deficiente iluminação e má qualidade da cama. Este tipo de patologias levam ao aparecimento de animais com claudicação e dificuldade de deslocação, os quais podem ter dificuldade em alcançar os comedouros e bebedouros, ser pisados por outros frangos e sentir dor.”

Estes são animais que sofrem de uma forma tão intensa que, mesmo resgatados da indústria, não conseguem viver muito além das cinco semanas.

Permanece a questão:
que bem-estar estamos nós a garantir?

Créditos fotográficos © Jo-Anne McArthur / Animal Equality / We Animals Media

Vídeo:

Excerto do documentário "Dominion"

Play Video

Créditos fotográficos © Farm Transparency Project / Dominion

Texto da petição:

Pelo fim do abate de pintos machos

Reconhecemos que esta prática é cruel, inaceitável e desumana, devendo ser legalmente proibida. Consideramos ainda que tal método não se justifica e não é coerente com as políticas de Bem-Estar Animal que a indústria e a legislação portuguesa dizem implementar. 

Queremos ver esta prática abolida e incentivos à investigação de tecnologias mais compassivas na indústria.

Atenciosamente,

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