Créditos fotográficos (imagem de capa) © Jo-Anne McArthur / Animal Equality / We Animals Media
Vamos só refletir ainda sobre o seguinte: se é necessário criar leis e regulamentos que visam minimizar o sofrimento destes animais, não significa que, na verdade, nos preocupamos com eles?
Com estas questões na nossa mente, façamos uma breve análise a algumas das condições básicas de bem-estar definidas na lei, que parecem existir para atenuar o nosso sentimento de culpa e legitimação para os nossos actos.
1. A liberdade de movimentos
Há um ponto chave a salientar no Decreto-Lei n.o 64/2000 de 22 de abril, referente à liberdade de movimentos: “a liberdade de movimentos própria dos animais, tendo em conta a espécie e de acordo com a experiência prática e os conhecimentos científicos, não será restringida de forma a causar-lhes lesões ou sofrimentos desnecessários e, nomeadamente, deve permitir que os animais se levantem, deitem e virem sem quaisquer dificuldades”.
Estas leis revelam-se contraditórias quando a própria legislação permite o uso de gaiolas. A liberdade de movimentos e, consequentemente, os comportamentos naturais das aves, estão extremamente comprometidos neste sistema de produção, assim como na produção em pavilhões.
2. O corte do bico
A Directiva 1999/64/CE do Conselho de 19 de julho de 1999 diz que, “a fim de evitar o arranque de penas e o canibalismo, os Estados-Membros podem autorizar que se apare a ponta do bico (…)”. Ora, se as condições de bem-estar são garantidas e as galinhas são felizes, porque haverá essa necessidade de corte do bico que, conforme relata a própria lei, os animais usam para arranque de penas (stress) e para se debicarem uns aos outros (stress, confinamento, lotação do espaço)?
Além disso, o corte do bico provoca dores, por vezes, incapacitantes, que acabam por limitar a capacidade da galinha em se alimentar.
Num artigo publicado por Lori Marino, no jornal Animal Cognition, em 2017 [1], podemos ler que “o bico da galinha, como em todas as aves, é um órgão sensorial complexo com numerosas terminações nervosas. O bico não serve apenas para agarrar e manipular itens alimentares, mas também é usado para manipular objetos não alimentares em nidificação e exploração (…) No bico há um grupo especializado de mecanorreceptores altamente sensíveis, que permite que as galinhas façam discriminações táteis finas.”
Acrescenta ainda que, o corte do bico é intensamente doloroso e essa dor, que pode durar meses, é visível no comportamento da galinha, que tende a enfiar o bico várias vezes debaixo da asa e debica menos, originando até dificuldade em se alimentar.
3. Manual de Bem-Estar Animal – incongruências
No site da DGAV, podemos consultar o Manual de Bem-estar Animal, onde ficaremos a conhecer as “cinco liberdades” redigidas pelo Farm Animal Welfare Council, que os produtores supostamente devem ter em conta.
3.1. Ausência de fome e sede:
Fica por responder como é que um animal que não consegue superar as dores do corte do bico ou simplesmente levantar-se, se desloca até os dispensadores de comida.
3.2. Livres de dor, sofrimento ou doença (…) devem ser evitados dor e sofrimento desnecessário:
Mas é precisamente a isso a que se resumem as suas curtas vidas. Basta analisar os números de animais reprovados para consumo, por se encontrarem demasiado caquéticos, com infeções respiratórias, problemas de pele, hematomas, luxações e fraturas para perceber que isto não acontece. Apenas no ano de 2019, mais de 2 milhões de animais foram abatidos e não aprovados para consumo, devido a condições débeis e graves de saúde.
3.3. Ausência de desconforto:
A Francisca é um exemplo puro da falta de conforto que estes animais vivenciam, com os seus corpos fraturados, doentes, e deitados em camas sujas com fezes que lhes queimam a pele, como poderão conhecer alguma réstia de conforto? E como se explica que, uma galinha poedeira viva apenas 2 anos (não sendo capaz de produzir mais ovos), quando em liberdade poderia viver até aos 11 anos?
3.4. Liberdade de expressar comportamento normal, proporcionando espaço suficiente, instalações apropriadas e companhia de animais da mesma espécie:
Não é companhia de animais da mesma espécie, é lucro. Muitos destes espaços estão tão lotados que os animais não apreciam essa “companhia”. Pisam-se, debicam-se… Aliás, é contraditório assumir o corte do bico como prevenção de lutas e canibalismo e, ao mesmo tempo, assumir que este tipo de companhia é benéfico para as galinhas na indústria.
3.5. Ausência de medo ou sofrimento:
As galinhas sentem medo e ansiedade.
O próprio Manual de Bem-Estar Animal refere ainda que “durante a produção, os frangos são susceptíveis de desenvolver uma variedade de patologias músculo-esqueléticas (…) que têm várias causas, podendo ser de origem genética, nutricional, ou ser resultado entre outros de uma má higiene, deficiente iluminação e má qualidade da cama. Este tipo de patologias levam ao aparecimento de animais com claudicação e dificuldade de deslocação, os quais podem ter dificuldade em alcançar os comedouros e bebedouros, ser pisados por outros frangos e sentir dor.”
Estes são animais que sofrem de uma forma tão intensa que, mesmo resgatados da indústria, não conseguem viver muito além das cinco semanas.